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Monday, December 30, 2024

Cartões Corporativos: Integridade Sem Limite ou Sem Limite no Cartão? 

O caso de Eduardo Tracanella, ex-diretor de marketing do Itaú Unibanco, demitido por uso indevido do cartão corporativo, evidencia um debate que ultrapassa os limites do setor privado: a necessidade de uma gestão ética e transparente dos recursos associados ao cartão corporativo, tanto no setor público quanto no privado. Embora empresas privadas frequentemente possuam regras claras e auditorias eficazes para identificar e punir irregularidades, adversidades ainda podem ocorrer, como parece ter sido o caso de Tracanella. Já no setor público, o uso de cartões corporativos frequentemente enfrenta desafios ainda maiores, devido à fiscalização ineficiente e falta de transparência. 

No setor privado, a resposta do Itaú ao caso envolvendo o uso indevido do cartão corporativo por parte do executivo foi rápida e exemplar: o desligamento foi acompanhado de uma comunicação interna e externa que reforçou o compromisso da instituição com a integridade. A demissão indica que a empresa adota medidas imediatas para proteger sua reputação e restaurar a confiança dos stakeholders. Essa postura reflete a importância de sistemas de compliance robustos e de uma cultura ética que priorize a transparência e a responsabilidade.

A adoção de um compliance mais robusto é essencial para prevenir casos de uso indevido de recursos, como o ocorrido com o cartão corporativo de Eduardo Tracanella. Um sistema eficaz de compliance não apenas identifica e mitiga riscos, mas também promove uma cultura de integridade que reforça a responsabilidade e a transparência em todos os níveis da organização. No entanto, diante dos recentes retrocessos no combate à corrupção no Brasil, que incluem a demissão de profissionais dos departamentos de compliance, surge a preocupação de que essa fragilização esteja na base dos recentes escândalos corporativos. A ausência de estruturas sólidas de controle e de profissionais capacitados para implementar medidas preventivas pode deixar lacunas que facilitam irregularidades e minam a confiança de stakeholderse da sociedade como um todo. Esses eventos reforçam a necessidade de priorizar investimentos em compliance sempre, mesmo em tempos de incerteza, mudanças legislativas ou diante de alterações na interpretação jurídica que podem impactar a forma como são tratados casos de não conformidade ou non-compliance.

A má utilização dos cartões corporativos não é um problema exclusivo do Brasil ou do setor privado brasileiro. Casos internacionais ilustram desafios semelhantes em contextos distintos. Na Espanha, Rodrigo Rato, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, foi condenado a quatro anos e meio de prisão no caso “Black Card”, junto com outros 64 ex-dirigentes do banco Caja Madrid. Eles foram acusados de apropriação indevida de fundos por usarem um cartão corporativo “secreto” para despesas estritamente pessoais, incluindo bebidas alcoólicas e sapatos – afinal, não há nada mais pessoal do que um sapato: se não couber, nem o dono quer! Ao todo, o grupo desviou mais de 12 milhões de euros entre 2003 e 2012, evidenciando o impacto significativo da má gestão de recursos corporativos. Este episódio só  reforça que o uso inadequado de recursos corporativos, públicos ou privados, traz graves consequências legais e reputacionais.  

No setor público, por outro lado, abusos no uso de cartões corporativos muitas vezes enfrentam entraves burocráticos e, em alguns casos, não resultam em punições exemplares. Essa sensação de impunidade compromete a credibilidade das instituições e reforça a desconfiança da sociedade. No Brasil, o cartão corporativo da administração pública federal é alvo recorrente de denúncias de gastos incompatíveis com sua finalidade, como despesas em hotéis de luxo e serviços supérfluos. Embora tenha sido concebido para atender a despesas emergenciais, seu uso inadequado compromete a confiança pública e levanta questões sobre a governança e os controles internos.  

A principal diferença entre os setores privado e público está na velocidade e eficácia das respostas às irregularidades, especialmente quando se trata de falhas de compliance na prevenção e detecção de problemas. Embora empresas como o Itaú, mesmo enfrentando falhas iniciais na prevenção ou detecção rápida da má utilização de recursos, demonstrem agilidade em mitigar danos e proteger sua reputação, o setor público frequentemente enfrenta barreiras estruturais que dificultam respostas ágeis e eficazes. 

Governos podem e devem aprender com as boas práticas do setor privado, adotando códigos de conduta rigorosos, incentivando uma cultura de responsabilidade e integridade e combatendo a impunidade de forma consistente. A prevenção é a base de um compliance eficiente, e apenas por meio de comunicação clara e treinamentos contínuos é possível promover uma mudança de comportamento nos indivíduos e nas organizações. Essas ações educacionais são indispensáveis para reforçar os valores éticos e criar uma cultura em que práticas antiéticas sejam totalmente inaceitáveis, sobretudo quando há um exemplo claro de comprometimento vindo da alta administração. O compromisso com a ética e a transparência é indispensável para garantir a confiança e a sustentabilidade das instituições em qualquer contexto. O engajamento da liderança, aliado a mecanismos de prevenção e conscientização, é fundamental para consolidar um ambiente institucional íntegro, sustentável e inclusivo. A gestão adequada de crises e a aplicação rigorosa de códigos de conduta são fundamentais para a sustentabilidade e credibilidade das instituições, públicas ou privadas.