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Thursday, September 1, 2016

Dois Pesos e Duas Medidas

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS



A supremacia da Constituição Federal é um postulado maior no estado de direito. O texto constitucional é hierarquicamente superior a todos os demais atos normativos do sistema jurídico brasileiro. Ao se interpretar a Constituição se deve buscar o significado e o sentido de suas normas, bem como, sua aplicação no plano fático. O poder legislativo é competente para realizar a interpretação autêntica do texto constitucional, desde que levada a efeito por intermédio de emendas à Constituição. O Senado Federal interpretou a Constituição Federal durante a sessão de votação do impeachment da presidente da República, sem, porém, atender ao único requisito necessário: uma emenda constitucional. Questões importantes se colocam a esse título. Mas, analisaremos aqui apenas uma. Por que a interpretação do Senado durante o impeachment da presidente da República poderá influenciar casos análogos que tenham como fundamento a Lei da Ficha Limpa?

A Constituição Federal no artigo 52, parágrafo único, diz que o impeachment do presidente da República se dará com dois terços dos votos do Senado Federal, e o condenará "à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública". O Senado Federal, acatando ao entendimento do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), interpretou a Constituição e separou as penas nela previstas, tornando-as independentes e autônomas: perda do cargo, por um lado, e inabilitação, por outro. Ao decidir estabelecer uma divisão independente e autônoma das penas, o Senado interpretou a Constituição, baseando-se no regimento interno da casa – norma infraconstitucional – e, extrapolou sua competência de legislador. A perda do cargo foi aprovada por 61 senadores, portanto, dois terços dos votos; enquanto que a inabilitação foi aprovada por 42 senadores, não atingindo, assim, o quórum constitucional necessário para impingir a pena de inabilitação. Diante da ilegalidade praticada, fica aberta a possibilidade de exame da questão pelo (STF). Não examinaremos aqui as razões que poderiam basear tal recurso ao STF.

A questão que nos importa é se o fato de o Senado ter interpretado a Constituição diferentemente do que lhe é permitido, dividindo as penas e a votação, poderia servir de precedente em casos análogos de cassação de parlamentares, permitindo que esses deixem de ficar inelegíveis. Antes de mais nada, vale lembrar que como a inelegibilidade do presidente da República está prevista na Constituição, a Lei da Ficha Limpa (LeiComplementar 135/2010) não inclui como sujeitos à pena de inelegibilidade previstos por essa Lei o cargo de presidente, nem o de vice-presidente entre outros. É verdade que a aplicação da Lei da Ficha Limpa é automática e o legislativo não teria o poder de impedir sua aplicação. Entretanto, só ficam inelegíveis por oito anos os parlamentares que tenham perdido seus respectivos mandatos por violação aos incisos I e II doArtigo 55 da Constituição, incisos esses que tratam da proibição de cargo em empresa e da falta de decoro (Artigo 1o, letra b da Lei da Ficha Limpa). E nos casos dos incisos I e II, a perda do mandato é decidida, por maioria absoluta, pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, conforme o caso. É necessário, portanto, a votação de cassação de mandato realizada pelo poder legislativo.

Como o Senado entendeu que para o cargo de presidente da República temos duas penas distintas e autônomas, perda do cargo e inabilitação, sendo admissível a perda do cargo sem a inabilitação, esse entendimento leva, para o plano do direito, dois pesos e duas medidas, quer se trate do executivo ou do legislativo. Assim, a perda de mandato ou do cargo levaria automaticamente à inelegibilidade somente aos parlamentares, em razão da Lei da Ficha Limpa, ficando o cargo de presidente sujeito a regime diverso e mais favorável. Por amor à argumentação, a intenção do legislador foi então de aplicar a dura pena da inelegibilidade à perda do mandato somente aos parlamentares, permitindo interpretação mais flexível e menos dura quando se tratar do cargo de presidente? Fica claro que o entendimento dado pelo Senado não só trouxe insegurança jurídica como elementos de peso que poderão levar à impunidade. Se a presidente Dilma Rousseff pôde perder o mandato mas não ficar inabilitada, por qual razão o deputado Eduardo Cunha pode vir a ser cassado e automaticamente se tornar inelegível? Sempre que se usa dois pesos, as duas medidas que resultam colocarão em cheque a justiça e o direito.


“Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta. Usai apenas um peso, um peso honesto e franco, e uma medida, uma medida honesta e franca, para que vivais longamente na terra que Deus vosso Senhor vos deu. Pesos desonestos e medidas desonestas são uma abominação para Deus vosso Senhor”.

Bíblia sagrada, livro de Deuteronômio (25:13-16)