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Tuesday, December 10, 2013

ONU DENUNCIA LEI DA ANISTIA NO BRASIL COMO OBSTÁCULO À JUSTIÇA


Artigo Publicado no Estadão Noite de 02.12.2013


O Brasil é, hoje, uma das democracias mais influentes a nível regional e global. Há, porém, muito que ainda pode ser feito em relação à proteção dos direitos humanos. É o que entende a Comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, ao declarar, durante a celebração dos 20 anos da Cúpula de Direitos Humanos, a necessidade do fortalecimento dos trabalhos da Comissão da Verdade e ao alertar que o trabalho realizado por esta comissão não era suficiente. Desta declaração se pode desprender um apoio velado à revisão da Lei da Anistia de 1979 (Lei nº 6683/79).
Mas, em 2010, o Supremo Tribunal decidiu pela constitucionalidade da Lei da Anistia de 1979, se posicionando contra o pedido de revisão da Lei formulado pela OAB, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153).
De 2010 para cá, o Supremo mudou, ou melhor, seus integrantes mudaram. O Procurador Geral da República também mudou. E há, ainda, embargos de declaração pendentes na ação proposta pela OAB. Mudanças na Lei da Anistia podem ser feitas pelo Supremo? Do ponto de vista jurídico, a resposta é afirmativa, posto que há embargos pendentes e com uma nova composição da mesa julgadora.
Certos crimes são, pela sua própria natureza, contrários à noção de criminalidade política. Muitos defendem, assim, uma revisão da Lei da Anistia, em especial para crimes que, por sua própria natureza, são incompatíveis com a noção de criminalidade política. São os chamados crimes contra a humanidade, os quais fogem ao alcance prescricional. Esta tese foi aceita pela Corte de Cassação francesa, no caso do dirigente nazista Klaus Barbie. Não se pode esquecer, que no caso Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil ao entender que a Lei da Anistia é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Em breve, o Supremo, no caso da extradição do argentino Montenegro, terá que se manifestar em relação aos crimes cometidos na década de 70 e sobre sua prescrição ou não.
Entretanto, a ação proposta pela OAB não trata da reprovação desses tipos de crimes contra a humanidade, nem sobre os aspectos prescricionais. A ação tem por base a compatibilidade do artigo 1º da Lei com as normas constitucionais, o que foi considerado constitucional pelo Supremo. Em sede de embargos de declaração, e mesmo com uma nova composição da turma julgadora, não é possível, juridicamente, um entendimento diverso em relação à constitucionalidade em si da Lei da Anistia, mas é possível entendimento diverso em relação a outros aspectos.
Mas, cabe ao Supremo rever o acordo político feito por aqueles que tinham legitimidade para celebrá-lo há mais de 30 anos atrás? Até que ponto a revisão da Lei da Anistia beneficia o fortalecimento da democracia brasileira e da própria sociedade brasileira como um todo? Estas são questões que continuam em aberto. E, uma vez mais, caberá ao Supremo decidir se o caminho da concórdia é o caminho que continuará sendo seguido ou se outro caminho deve ser adotado pela sociedade brasileira.


Ligia Maura Costa. Advogada. Professora Titular da FGV-EAESP.